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Mesmo com a falta de apoio, o teatro resiste

PESQUISAS MOSTRAM QUE O NÚMERO DE TEATROS AO LONGO DOS ANOS DIMINUIU, DIFICULTANDO AINDA MAIS O ACESSO PARA GRANDE PARTE DA POPULAÇÃO

por ingrid watanabe

Ao longo dos anos 1930, devido às mudanças políticas e a busca da industrialização no país no governo de Getúlio Vargas, já eram notáveis as primeiras tentativas de modernização da dramaturgia brasileira, que aconteceram graças ao trabalho engajado de grupos amadores que se apresentavam independentemente da bilheteria. O teatro brasileiro começou a progredir apenas em meados dos anos 1940, quando passa da “comédia de costumes” - uma comédia com personagens e situações tipo — para uma dramaturgia sobre os problemas do Brasil contemporâneo.


Mesmo atualmente, espaços culturais ainda são escassos e passam a ser restritos a uma minoria no Brasil, capaz de se locomover até eles e a pagar por ingressos muitas vezes com um preço elevado. Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2019), revelou que a maioria dos municípios do país não tem cinemas, museus ou teatros, e que o acesso à cultura da maioria dos lares brasileiros, é a televisão.

ESTATÍSTICAS DO TEATRO

presentes nos municípios

10%

Cinemas

25,9%

Museus

20%

Teatros

97,2%

dos lares brasileiros possuem TV

Fonte: IBGE

A mesma pesquisa revela que um dos motivos para a falta desses espaços é a redução das verbas públicas destinadas à área cultural e a diminuição do número de empresas privadas ligadas ao setor.

 

Fábio Valério (37), formado em Artes Cênicas e criador do Espaço Protótipo, ressalta que é quase impossível manter o coletivo só com a bilheteria dos espetáculos: “bilheteria não mantém grupo, ninguém paga 15 reais para ver uma peça, mas paga 20 numa garrafa de cerveja”. Apesar de terem criado um sistema de divisão igualitária de todo o dinheiro que recebem, independente da função, passaram a não ser suficientes se considerados os custos para manutenção do local, aluguel, cenografia e viagens para espetáculos.

Essa dinâmica começou a ficar mais difícil porque os trabalhos foram ficando mais escassos, principalmente após a queda da Dilma, os projetos acabaram e o Protótipo começou a ficar em deficit

- FÁBIO VALÉRIO

O projeto, criado em 2008 por Fábio em Londrina, veio para Bauru em 2010, após ele ter passado em um concurso na Secretaria da Cultura. Em 2011, o grupo que até então tinha como único integrante Fábio, passou a tomar forma e a ter novos integrantes. “O nosso primeiro trabalho em conjunto foi um espetáculo de palhaços chamado A guerra de Petrovitz”, lembra Fábio.

Fábio_explora_as_linguagens_artísticas
FÁBIO SE APRESENTA NO ESPETÁCULO PREÂMBULO.
(DIVULGAÇÃO)

Organizadores do Festival de Artes Cênicas de Bauru (FACES) que já está em sua nona edição e é um dos maiores festivais de teatro do Brasil, o grupo também é responsável pelo Bodega, um bar que é uma extensão do espaço Protótipo. “Era pra ser um projeto temporário que só iria funcionar durante o festival, mas aí acabou ajudando o Protótipo. A bodega não financia o Protótipo, mas começou a trazer mais pessoas para cá e a aumentar o público no espaço de arte”.

Quanto aos incentivos para continuarem com os trabalhos, Fábio conta que Bauru ainda tem uma Lei de Incentivo com um valor muito baixo, e que, além disso, está defasada. Ele ressalta que é preciso que as ideias venham da população, assim como o FACES, a Semana do hip hop e a Parada LGBT. “Acredito que hoje, como Bauru tem conselho de cultura, a prefeitura escute os artistas, não que consiga atender a todas as demandas, por isso é necessária a iniciativa popular”.

Por conta da pandemia, Fábio conta que precisaram suspender os trabalhos tanto no Espaço Protótipo quanto na Bodega, visto que esses lugares geram aglomeração. Porém, para poderem continuar ativos, criaram uma série de ações virtuais através das lives, com apresentações e vídeos de performances. Contudo, com a falta de incentivos e políticas públicas, tiveram que criar uma campanha financiamento coletivo, para manter os espaços de trabalho.

 

Em junho, o grupo também divulgou em sua página no Facebook que foi um dos três espaços independentes do município escolhidos para obter apoio da Sociedade Amigos da Cultura (SAC), durante a pandemia do Covid-19, pelo Programa de Apoio a Espaços Culturais Independentes, que ofereceram um valor que poderá ser revertido para a necessidades específicas do espaço.

 

Fundadora do Grupo Ato, Elisabete Benetti, conta que começou o grupo de teatro com o seu marido, Carlos Batista. Na época, eles moravam e trabalhavam em São Paulo, e em 1984, o grupo fez o seu primeiro trabalho profissional, o qual lhe rendeu 7 prêmios. Porém, o desejo de se mudar para perto da natureza e sair da capital falou mais alto, foi quando resolveram se mudar para Bauru.

 

Elisabete conta que depois que se mudou para cá, o grupo ficou trabalhando durante 7 anos com marketing cultural para o Expresso de Prata: “Nós fomos a 40 cidades do Estado de SP, e 3 do norte do Paraná, foi uma experiência muito rica poder levar o teatro para quem nunca tinha visto”.

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GRUPO ATO APRESENTA RAPUNZEL NO AUDITÓRIO DA OAB BAURU.
(DIVULGAÇÃO)

Em 2007, o grupo fez uma parceria com a OAB de Bauru, e passaram a utilizar o auditório para as apresentações: “Isso nos aproximou da comunidade e nos trouxe um novo projeto, o Gente legal, focado em trazer os jovens da periferia para os nossos espetáculos”. Na época, a Associação das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de Bauru (Transurb) cedeu um ônibus para buscar esses jovens e trazê-los até o teatro todo domingo, nos quais o grupo fazia um espetáculo diferente por mês.

 

O Grupo Ato tornou-se Ponto de Cultura em 2011, através do movimento Cultura Viva do Governo Federal em parceria com a Prefeitura Municipal de Bauru, atendendo crianças, jovens, adultos e idosos. Porém, desde 2014, o grupo passou a desenvolver o trabalho sem nenhum apoio financeiro, apenas contando com ajuda de voluntários.

 

Mesmo com a pandemia e a necessidade de distanciamento físico, Elisabete conta que o grupo continua fazendo reuniões por videoconferência e até lives para seu público, assim, é possível manter o trabalho e a união do grupo.

 

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60% nunca foi a um teatro ou show de dança

70% nunca foi a museus ou centros culturais

dificuldade de acesso a equipamentos culturais

51% disseram que está mal localizado 62% que está longe da cidade onde mora

dos 2,7 mil entrevistados:

número de teatros por região

Norte

689

Sudeste

183

65

Centro Oeste

246

Nordeste

46

Sul

SUDESTE:

​

SP 306

RJ 231

MG 132

ES 20

​

​

Para o doutor em artes cênicas pela Université Sorbonne Nouvelle e Universidade de São Paulo (USP), Fernando César Kinas, fundador do Kiwi Companhia de Teatro, o teatro contribui para a construção do pensamento crítico a respeito da sociedade. O grupo, que surgiu em 1996, já realizou além das peças teatrais, leituras dramáticas, debates, oficinas e eventos multi artísticos.

 

A Companhia, estabelecida em São Paulo, teve mudança na equipe em 2018, quando passou a se chamar Coletivo Comum. “Essa mudança de nome tem relação com o momento histórico que a gente vive, de individualismo, de extrema direita e de violência. Reforçar a ideia de coletivo, de organização, é uma resposta a essa situação”.

 

Quanto às diferenças do fazer teatro no interior, e na capital, Kinas diz que uma das diferenças que enxerga é o nível de circulação das informações. “Existe uma densidade diferente entre os conhecimentos que circulam na capital e nas cidades do interior. Cidade grande tem mais teatros, cinemas, livrarias, então existe uma concentração de produção cultural maior”.

Dirigido_por_Fernando_Fome.Doc_usa_técn
CENA DO ESPETÁCULO FOME.DOC, DIRIGIDO POR FERNANDO.
(FILIPE VIANNA)

Ele conta que o grupo já teve contato com quase todos os programas públicos para o fomento ao teatro e que estão listados em sua página, e ressalta a importância desses editais. “A gente já trabalhou com um edital do Ministério da Justiça, que não era propriamente para teatro, mas para a discussão e reflexão crítica sobre a ditadura através da arte”.

 

Através da Lei de fomento ao teatro para a Cidade de São Paulo, no qual os projetos podem ter duração de até dois anos, o grupo pôde desenvolver uma revista chamada Contrapelo, com os registros dos trabalhos, artigos e assuntos referentes ao teatro.

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Uma das principais ferramentas de fomento à cultura no Brasil, é a Lei de Incentivo à Cultura. Baseada no abatimento do valor total ou parcial do apoio do Imposto de Renda, a renúncia fiscal, assim, tanto empresas como pessoas físicas podem patrocinar espetáculos. Criada em 1991 pela Lei 8.313, é um dos principais pilares do Programa Nacional de Cultura (Pronac), que também conta com o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficarts).

 

Artistas e até instituições, como museus e teatro podem participar. É preciso submeter seu projeto à análise da Secretaria Especial de Cultura, para receber a aprovação da Lei de Incentivo à Cultura. Se a proposta for aprovada, o produtor vai poder captar recursos junto a apoiadores (pessoas físicas e empresas) oferecendo a eles a oportunidade de abater aquele apoio do Imposto de Renda. O governo abre mão do imposto (renúncia fiscal) para que ele seja direcionado à realização de atividades culturais.

 

Para inscrever seu projeto, é necessário cadastrá-lo pelo Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura, e escrever sua proposta detalhadamente e com especificações de direção, divulgação, quanto custará a sua execução e acrescentar também as ações de contrapartida social que serão oferecidas.

Cria Bauru | Reportagem multimídia produzida como Trabalho de Conclusão de Curso | Jornalismo pela UNESP | 2020

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