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Moda bauruense desenha rede de colaborações

PRODUTORES LOCAIS SE APOIAM PARA MANTER SEUS NEGÓCIOS E GERAR RENDA

por michelly neris

Em Bauru, encontramos pequenos produtores de moda que carregam uma herança cultural e exercem impacto social em sua comunidade. O gosto pelas peças é herdado de seus pais ou avós e é com a venda dessas produções que eles sustentam suas famílias e movimentam a economia local.

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A indústria da moda é um dos setores mais complexos na economia brasileira. Ela é monitorada a partir de quatro setores: têxtil, vestuário, couro e calçados. Juntos, representam 3,6% do PIB brasileiro. Mas nem tudo na indústria da moda é economia criativa. 

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A MODA BRASILEIRA

EM NÚMEROS

A moda emprega 2,6 milhões de brasileiros.

1,4 mi

formais

1,2 mi

informais

Micro e pequenas empresas empregram 53,2% de todos os trabalhadores formais.

35,9%

Têxtil

dos empregos são em micro e pequenas empresas

48,6%

couro

dos empregos são em micro e pequenas empresas

70,4%

Vestuário

dos empregos são em micro e pequenas empresas

40%

calçados

dos empregos são em grandes empresas

perfil dos trabalhadores:

55,7%

37%

5,9%

1,1%

0,2%

brancos

pardos

pretos

amarelos

indígenas

mulheres ocupam 69% dos empregos em toda a indústria

Norte

2.200

5.571

Nordeste

1.307

24.475

Centro Oeste

Sudeste

11.114

Sul

A moda criativa é responsável por 44.887 empregos formais. Só no estado de SP são 16.624 postos de trabalho formais.

Neste contexto, a moda deve ser a união entre criatividade e a cultura do sujeito. Domenico Ceglia, doutor em administração e pesquisador da indústria da moda, explica que por conta dessa característica, a moda criativa é mais comum em pequenas e médias empresas. 

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“Nós temos que ver onde nasce a criatividade. Ela nasce quando se cria algo único. Nas grandes empresas varejistas, a criatividade pode encontrar algumas barreiras de ordem econômica. Ela se torna industrializada, porque tem que atender a massa. E quando isso acontece, não é mais economia criativa, é um produto fast. Já nas pequenas e médias empresas, o lucro não costuma ser o objetivo principal”, explica o pesquisador.

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Outra característica desses negócios, é a criação de uma rede de colaboração com outros produtores. Quem cria, trabalha em conjunto. “É preciso ter a capacidade de tornar viável essa criatividade, fazer ideia sair do papel. Quem trabalha com economia criativa tem esse método. Geralmente, essas pessoas não têm grandes investimentos para começar. Então, tem muita colaboração e troca com outras pessoas do mercado”, observa Domenico.

COLABORAÇÃO É A ALMA DO NEGÓCIO

Thais Siqueira aprendeu a mexer com os tecidos delicados das lingeries durante a adolescência. Sua mãe tinha uma confecção de roupas íntimas e foi lá que ela teve seu primeiro contato com desenhos e modelagens. Em 2016, depois de largar a graduação de Jornalismo, Thais criou a Siqx. De lá para cá, a marca já esteve em Paraty (RJ), Campinas (SP) e no começo de 2019, veio parar em Bauru. Hoje, ela cuida da confecção das peças sozinha, mas encontrou uma rede de apoio na cidade.

SIQX.jpg
THAIS ACREDITA QUE A UNIÃO ENTRE OS CRIATIVOS É A MELHOR FORMA DE FAZER OS NEGÓCIOS CRESCEREM.
(DIVULGAÇÃO)

Quando morava em Campinas, Thais participou de uma loja colaborativa e queria continuar em um local assim quando se mudou. Em setembro de 2019, fundou, com mais uma sócia, a Casa Autoral. O espaço abriga pequenas marcas, que fabricam de maneira artesanal. Ela acredita que isso ajuda a valorizar a mão de obra local e que os pequenos negócios conseguem se manter por mais tempo nessas lojas.

 

“Eu sempre procurei consumir produtos que fossem da minha cidade ou de cidades próximas, porque acredito que isso vai manter o dinheiro na região. Acho que é o futuro para todas as cidades terem um espaço assim para abrigar produtores locais. A gente precisa disso, é assim que os negócios vão crescer, com um ajudando o outro" conta Thais.

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Além dos espaços colaborativos, as feiras também foram espaços essenciais para Thais vender e promover a Siqx. Ela relata que sempre participou de feiras de iniciativa privada. “Eu sei que tem uma feira que é feita com o incentivo da Prefeitura, porém é muito engessado, você tem que se comprometer a estar sempre presente. Eu imagino que isso aconteça para eles poderem ter uma constância. Só que eu tenho filho, e cuido dele sozinha, meus horários são meio malucos, é difícil ter essa constância”.

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Os espaços colaborativos e as feiras foram essenciais para que Lucas Scarton começasse a marca. Ele trabalha com um material mais rústico, o couro. A tradição começou com seu avô, que fabricava botas e bolsas e realizava consertos. Em 2016, três anos após a morte dele, Lucas transferiu a oficina do avô para sua casa e começou a fabricar por hobbie. Com o tempo, nascia a Scarton, marca de acessórios de couro. 

Scarton.jpg
AVÔ DE LUCAS COMEÇOU A TRABALHAR COM COURO EM 1965 E ONEGÓCIO VIROU UMA TRADIÇÃO.
(DIVULGAÇÃO)

Seu primeiro ponto de venda foi dentro de uma barbearia. Lucas percebeu que essa troca funcionava e foi expandindo o negócio. Hoje, ele usa o espaço da Casa Autoral e de mais quatro lojas.  “O sonho da maioria das marcas é ter a própria loja, mas é muito difícil ter isso do zero. Vi que funcionava essas colaborações entre empresas e, eu também tenho a possibilidade de ter mais de um ponto de venda”, relata.

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O Ser do Bem nasceu em 2006, fruto de uma herança familiar: a costura. A marca é comandado pelas irmãs Melissa e Natasha Lamônica  e pela amiga delas, Flávia Turtelli. As irmãs contam que aprenderam a costurar na infância, incentivadas pela avó. No ateliê, todas costuram e criam, mas apenas Flávia trabalha em tempo integral. Melissa e Natasha mantêm seus empregos como farmacêutica e arquiteta. 

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A marca nasceu nos galpões da Feira Ubá, que Melissa frequentava para promover e vender suas coleções. Depois, passou a funcionar numa loja colaborativa que abrigava outros negócios. Porém, o local acabou fechando em maio deste ano por conta da pandemia da Covid-19. De acordo com Mellissa, elas não tiveram como pagar o aluguel e a imobiliária não permitiu que o valor fosse negociado. Ela conta que não sabe se irá abrir o espaço físico novamente, mas que a produção do Ser do Bem não parou.

“Com certeza nunca vamos parar totalmente, nós amamos costurar e criar, mas precisamos estudar como será a vida das pessoas pós-pandemia, provavelmente as necessidades de consumo serão outras. Já temos vários planos, mas no momento é ficar em casa e observar”, declarou Melissa.

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No espaço, elas promoviam eventos e abriam o local para produtores para exporem por um dia. Melissa conta que esses eventos ajudavam os produtores criativos a se conheceram e trocaram experiências e clientes. “A maioria dos produtores não se conhece e vai ter o primeiro contato aqui. Os clientes também vem por causa de algum artesão ou do ateliê e acabam conhecendo outros produtores e, assim, vai criando uma rede”.

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O ÚLTIMO EVENTO REALIZADO NO ATELIÊ FOI EM DEZEMBRO DE 2019.

Para elas, um dos principais problemas que a marca enfrenta é a concorrência com redes varejistas e que nem sempre os clientes entendem os preços das peças. “As pessoas vão nessas megalojas e compram muito, mas quando chegam aqui reclamam do preço. Essas lojas investem muito em marketing e fabricam com mão de obra barata. Já aqui, a produção é artesanal e a gente não consegue ter padrões de tamanhos”, explica Natasha.

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O Afromix também nasceu de uma colaboração entre irmãs. Tabata e Tatiane dos Santos começaram o negócio em 2013 com o propósito de vender acessórios relacionados à cultura negra, mas sempre tiveram vontade de trabalhar com roupas. Como tinham poucos recursos, em 2018, decidiram criar um brechó especializado em peças vintages.

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 “A nossa mãe sempre comprava em brechós quando a gente era criança. As pessoas de periferia já vivem o sustentável por necessidade, então sempre tivemos isso, trocas de roupas entre primos e irmãos, um passa pro outro, esse rodízio. É um negócio que você não precisa investir muito pra ter um bom retorno”, conta Tabata.

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Os brechós sempre foram muito fortes nas periferias, mas têm atingido outros públicos graças a internet e ao hábitos de consumo das gerações mais novas. Um levantamento do Sebrae aponta que entre 2007 e 2012, o número de brechós no país cresceu 210%. Um salto de 3.691 para 11.469. Eles podem ser classificados em dois tipos: os que vendem qualquer tipo de roupa e os que passam por uma curadoria. É no segundo modelo que encontramos negócios ligados à moda.

A marca também funcionava num local colaborativo, mas com a pandemia, as vendas caíram e se tornou inviável continuar pagando aluguel. Durante a quarentena, o Afromix foi realocado para a casa da mãe de Tatiane e Tabata. As irmãs ainda abriram uma campanha de financiamento coletivo para reformar o novo local.

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Para elas estar num local colaborativo era fundamental para que o Afromix se fortalecesse e crescesse junto com outros negócios. “Aqui em Bauru, uma das dificuldades é fazer com que as pessoas entendam o que é a economia criativa, o que ela gera e fazer com que o dinheiro circule entre os pequenos negócios. É importante que seja uma coisa orgânica, que não fique só no Afromix, mas que se expanda. Queremos quem produz tenha o devido reconhecimento”, explica Tatiane.

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Motivados pela tradição e paixão pela moda, essas marcas geram renda, empregos e trazem retornos para a economia bauruense. A pandemia trouxe novos desafios para os produtores locais. Eles buscam adaptar seus modelos de negócios e permanecer criando e trabalhando em novas oportunidades para si e para outros criativos.

Cria Bauru | Reportagem multimídia produzida como Trabalho de Conclusão de Curso | Jornalismo pela UNESP | 2020

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