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os desafios para quem cria 

EM BAURU, FALTAM POLÍTICAS PÚBLICAS EFICIENTES PARA OS ARRANJOS PRODUTIVOS

por ingrid watanabe e michelly neris

As ruas de Bauru vivem das expressões culturais e artísticas. Na Praça Rui Barbosa, você pode comprar acessórios e produtos de artesãos locais. Ao caminhar pelo Calçadão da Batista de Carvalho, um músico apresenta sua obra. Ele carrega um CD, produzido de forma independente e que você pode levar por um valor simbólico. À noite, é possível ouvir poesias e batalhas de rimas dos saraus e slam’s que emergem em todos cantos da cidade.​

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Isso é economia criativa. Ela nasce do capital intelectual e cultural de uma região. São negócios que, além de gerar renda e empregos, estimulam o desenvolvimento social e a diversidade cultural. Essa ideia de aliar economia e cultura é antiga, mas o termo só surgiu em 2012, criado pelo pesquisador pelo pesquisador John Howkins.

Considerada uma parte cada crescente da economia global, a economia criativa desempenha um papel importante como fonte cultural, de riqueza e geração de empregos. Ela ganha força a partir do momento em que as antigas tradições de trabalho, cultural e industrial começam a ter vínculos com uma série de atividades produtivas modernas, como a publicidade e o desenho gráfico, por exemplo.

economia criativa

em números

Estima-se que o setor movimente U$4,7 bilhões em todo o mundo.

No Brasil, a área criativa gera R$ 171,5 bilhões para a economia e é responsável por 837,2 mil empregos formais.

Juarez Tadeu de Paula Xavier, professor da Unesp e pesquisador, pontua que a economia criativa se desenvolve a partir de três fatores. Primeiro, nós temos os arranjos produtivos locais, que são aglomerações de empresas e empreendimentos em uma determinada região. Esses arranjos devem ter conexões entre si, criando espaços de criação e produção. Por fim, temos a ação de políticas públicas no fomento e no estímulo desses setores criativos. 

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Neste último ponto, Juarez nota que as políticas públicas no Brasil enfrentam um problema de descontinuidade e alcance. “Não tem políticas públicas ainda para os grupos que geram renda e emprego na periferia. Nós temos visto também que as políticas que nascem em um governo e acabam com o mandato. Agora, por exemplo, nem se fala mais em economia criativa”. 

OS EFEITOS DA EXTINÇÃO DO MINC

O governo federal segue na contramão dos avanços culturais que tivemos em governos anteriores, como na gestão do músico Gilberto Gil que liderou o Ministério da Cultura (Minc) entre 2003 e 2008, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No período em que Gil foi ministro da cultura, defendeu políticas voltadas à diversidade cultural, criou programas de incentivo à cultura e apoio a práticas culturais já existentes, abrangendo a área rural, periferias e comunidades tradicionais.

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Outro aspecto positivo no comando da pasta foi o reconhecimento como Patrimônio Cultural Brasileiro de elementos da cultura regional como a capoeira, o frevo, o samba de roda e a pintura corporal dos índios. O Minc também criou um programa direcionado à população afro-brasileira, com ações direcionadas ao desenvolvimento das comunidades de tradição afro-brasileira, inclusive as comunidades remanescentes de quilombos e os terreiros.

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Os ataques que a cultura vem sofrendo  nesses últimos anos, principalmente agora no governo Bolsonaro, se ampliaram com a extinção do Ministério da Cultura e sua substituição pela Secretaria Especial de Cultura, uma das primeiras medidas que o atual governo tomou após sua posse. Assim, Cultura passa de um Ministério - principal repartição dos governos nacionais - para uma subsecção dos Ministérios, perdendo recursos e autonomia.

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Uma das principais atribuições do Ministério da Cultura, criado no governo de José Sarney em 1985, era a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural do país, além da regulação dos direitos autorais. Num primeiro momento, Bolsonaro unificou cultura, esporte e desenvolvimento, no recém criado Ministério da Cidadania, fazendo com que, a partir daí, cultura perdesse autonomia e recursos. Algum tempo depois, a Secretaria Especial de Cultura é transferida para o Ministério do Turismo.

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Além das transferências de pasta ao longo desse atual governo, a Secretaria Especial de Cultura já foi chefiada por quatro secretários diferentes, entre eles: Henrique Pires, que foi exonerado em agosto de 2019, após se posicionar contra algumas medidas do governo, Ricardo Braga, economista que ficou dois meses no comando da Secretaria, o dramaturgo Roberto Alvim, que também foi demitido após dois meses, em função de uma citação nazista em seu discurso e por último, a atriz Regina Duarte.

ARTICULAÇÃO ENTRE GRUPOS CRIATIVOS

Para Juarez, a falta de políticas públicas exige uma articulação maior dos setores sociais que estão envolvidos em arranjos criativos, principalmente de grupos e expressões culturais ‘subalternos’. Aqui em Bauru um exemplo disso é o hip hop, que nasce e cresce através de ações e reivindicações da comunidade.

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JUAREZ EXPLICA QUE ECONOMIA CRIATIVA NASCE DE UM TRABALHO COLETIVO.
 (ARQUIVO PESSOAL)

A tradicional Semana do Hip Hop acontece desde 2011, organizada de forma independente pelo Ponto de Cultura Acesso Hip Hop. Ela só foi instituída na Lei Municipal 6358/2013 depois de uma série de manifestações articuladas pelo movimento. Hoje, cidade possui projetos educacionais e culturais ligados ao Ponto de Cultura, que recebem um apoio pontual da prefeitura.

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O professor Juarez coordena o Neo Criativa, núcleo de estudos criado em 2011 e que atua em três áreas: pesquisa, mapeamento dos arranjos criativos locais e produção de conteúdo, como trabalhos de conclusão de curso (TCC). Ao longo desses 9 anos, o Neo mapeou as escolas de samba, pólos de desenvolvimento de games, grupos de capoeira e o hip hop. Atualmente, eles trabalham no mapeamento afroempreendedores.

O objetivo é que a produção realizada pelo grupo ultrapasse os limites da Unesp e contribua para a criação de políticas públicas de fomento do setor criativo. Por isso, o Neo Criativa atua no Conselho Municipal de Políticas Públicas, no Conselho de Direitos Humanos e no Conselho da Cidade. Juarez observa que Bauru carece de políticas que compreendam a cadeia produtiva dos setores criativos.

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“A economia criativa tem que trabalhar com toda a linha de produção. Ela precisa ser reinvenção coletiva e precisa ter uma produção, uma distribuição e uma fruição coletiva. Não adianta fazer uma feira se você não sabe como aquele material foi produzido, quantas pessoas estão envolvidas e se teve mão de obra escrava”.

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Chico Maia, pesquisador e especialista em gestão de projetos e captação de recursos, explica que o mapeamento é essencial para a criação de políticas públicas de desenvolvimento, já que os centro criativos nascem do trabalho conjunto entre universidade, sociedade civil, entidades e governo. “Tenho vistos que muitas cidades estão se organizando dessa forma. Para pedir recursos do governo federal, você precisa de dados consistentes para realmente fazer os investimentos necessários”.

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Chico nota que a cidade tem uma grande demanda por locais de distribuição dos produto criativos. “Além do fomento, você tem que pensar na comercialização. As feiras são uma pequena parte. Nós não temos um centro de comercialização do artesanato local, por exemplo”. 

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As feiras são as principais formas de distribuição dos produtos da cidade. A Secretaria de Cultura realiza desde 2003 a feira Ubá, responsável pela comercialização do artesanato local. Outro exemplo, é a Feira de Economia Criativa, organizada desde 2017 pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Renda (Sedcon) com o objetivo de formalizar pequenos empreendedores. 

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Chico observa ainda que a cidade precisa desenvolver planos de investimentos e de criação de centros de fomento à cultura e à economia criativa. “A prefeitura poderia reformar a Estação Ferroviária Noroeste, captar recursos não reembolsáveis, para poder termos um centro. O município precisa de projetos de reformas com aquisição de equipamentos culturais para poder dialogar com o governo federal.”

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Outro ponto que está no debate central de quem trabalha com cultura e arte é o financiamento. Existem três formas de captar recursos para um projeto. A primeira é através de recursos privados, como investimento próprio, licenciamento, prestação de serviço, entre outros. A segunda é por meio de recursos públicos diretos, como editais municipais e estaduais e federais. E a última se dá por recursos público indiretos, como leis de patrocínio incentivado e renúncia fiscal para empresas privadas.

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Chico pontua que falta em Bauru uma política de arrecadação de recursos privados. A cidade tem grandes empresas que poderiam impulsionar a economia criativa, mas isso ainda não faz parte da cultura dessas empresas. “Nós precisamos sensibilizar empresas que têm condições de apoiar projetos ligados à economia criativa para que eles aportam recursos de projetos que estão aqui. Em Bauru, eu não conheço nenhuma empresa que apura lucro real ou que paga ICMS que tenha uma política de incentivo”.

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O município  tem como mecanismos de fomento direto o Programa Municipal de Estímulo à Cultura, que abre editais todos os anos. O programa é a principal ferramenta de fomento local para artistas e produtores culturais. Porém, desde que foi criado em 2008, os recursos oferecidos permanecem os mesmos: R$10 mil para pessoas físicas e R$20 mil para pessoas jurídicas​

CHICO CONSIDERA QUE AS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS NÃO ATENDEM ÀS DEMANDAS DOS SETORES CRIATIVOS.
 (ARQUIVO PESSOAL)

Esses valores acabam sendo pequenos para financiar projetos, principalmente, de setores como o audiovisual, que exigem um grande aporte para serem realizados. “Você não faz política cultural com esses valores. É preciso transformar (a lei) num mecanismo que seja realmente incentivador da cultura. Não existe uma proposta concreta, o governo municipal não tem articulação”, comenta Chico.

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Como alternativa, muitos produtores culturais e artistas recorrem ao Programa de Ação Cultural (ProAC), lei de incentivo à cultural do estado dividida em duas categorias. No ProAC editais, os recursos vêm de forma direta do orçamento do governo de São Paulo. Esta categoria também reserva uma cota de 50% para projetos de interior paulista. No ProAC ICMS, os recursão são arrecadados de empresas privadas através de patrocínio incentivado e renúncia fiscal.

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Em Julho, Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo anunciou um investimento de R$ 177,18 milhões no ProAC e no programa Juntos pela Cultura, responsável pela realização de evento como Virada SP, Circuito SP, Tradição SP, Revelando SP e o + Gestão SP.

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O investimento busca reanimar as indústrias criativas depois da quarentena e será destinado cerca de 4,8 mil projetos. A Secretaria estima que 53,8 mil postos de trabalho serão criados e um retorno de R$ 266 milhões para a economia.

consequências

da pandemia

Os setores culturais e criativos são responsáveis por cerca de 3,9% do PIB do estado de São Paulo. São R$ 79 bilhões por ano na economia de 1,5 milhão de empregos.

Estima-se que a pandemia trouxe uma perda de R$ 34 bilhões para o setor, ou 1,7% do PIB estadual. Cerca de 1 milhão de trabalhadores informais e temporários estão com pouca ou nenhuma renda.

Em Bauru, as atividades do PEC estão paralisadas desde março, por conta da pandemia. Através da Portaria nº 022/2020, a Secretaria Municipal de Cultura decretou que os contratos ligados ao edital de 2018 seriam suspensos, sem que houvesse prejuízo aos contratados.

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Em junho, Secretaria o programa Viva Cultura,  com o objetivo de auxiliar a classe artística da cidade durante a quarentena. Através de uma parceria com empresa privadas, os projetos artísticos e culturais selecionados irão receber um cachê para fazer uma apresentação ao vivo pela internet.

Cria Bauru | Reportagem multimídia produzida como Trabalho de Conclusão de Curso | Jornalismo pela UNESP | 2020

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