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Topo artesanato

uma tradição em busca de mudanças

COM O AVANÇO DA TECNOLOGIA E TUTORIAIS DE INTERNET, OS PROCESSOS ARTESANAIS SE MODIFICARAM AO LONGO DO TEMPO

por Ingrid watanabe

O artesanato brasileiro é fonte de trabalho e renda para muitas pessoas e, com o avanço da tecnologia, busca mais espaço e inspiração em meio a tantas transformações. Quando Julia Yuri Landim Goya (27), decidiu criar a sua marca Juju à Mão, uma de suas inspirações foi a representatividade do feminino. “Na minha família, sempre tivemos mulheres muito fortes, muito marcantes, e acabei optando por fazer um projeto mais pessoal exatamente para entender um pouco mais sobre o que é ser mulher”, conta Julia.

Desde criança Julia teve contato com o artesanato de alguma forma, pois sua família tinha isso como um hobbie. “A minha vó faz crochê, tricô, borda, costura e a minha mãe também, elas que me ensinaram quando criança e por fim acabei retomando isso profissionalmente”, diz.

A marca, que existe há cerca de três anos e nasceu ao final da segunda graduação em design de Produto, já consegue desde o final de 2019 se pagar sozinha. “Quando eu decidi fazer a Juju virar uma empresa de fato, sabia que iria ser um investimento, e a minha meta era fazer com que a marca se pagasse” conta Julia.

 

Além de se dedicar a marca, com vendas que acontecem tanto presencialmente quanto online, Julia também trabalha como designer, dá consultoria em quesito de inovação para startups e aulas em faculdades.

Apesar de todo o trabalho com a Juju à Mão, Julia reconhece que existe a desvalorização do artesanato, mas que isso não acontece só no interior. “Eu acho que existe uma resistência de valor, o mesmo bordado que faço aqui, por exemplo, consigo vender pela metade do valor que uma pessoa que tem o mesmo trabalho em São Paulo ou em alguma capital, considerando linha gasta, quantidade de tecido e material, e não o processo criativo da pessoa”.

Segundo dados do IBGE (2012), com o crescimento do mercado de economia criativa, o artesanato brasileiro movimenta cerca de 50 bilhões por ano e é responsável pela renda de aproximadamente 10 milhões de pessoas. Além de se apresentar como uma atividade econômica expressiva, o segmento vem gerando inúmeras ocupações. De acordo com dados do sistema Data Sebrae, 3 em cada 5 artesãos têm o artesanato como principal fonte de renda, mas apenas 39% deles possuem CNPJ, o que torna a formalização um dos grandes desafios para o setor.

artesanato em números

perfil dos trabalhadores

A grande maioria dos artesãos

são mulheres (77%)

3 em cada 5 artesãos

são informais

Apenas 39% possuem CNPJ

Fontes: DataSebraeFacop

Desde 2015, Maisa Adrielle da Silva (30) resolveu criar a própria marca de peças tie dye, biojoias, pedras naturais e macramê, a Maisa Crespa. O trabalho manual com sementes, foi uma das coisas que aprendeu a fazer com a mãe. “Minha mãe sempre trabalhou com sementes, e apesar de fazer muitas outras coisas para vender hoje, essa é a essência do meu trabalho, são os acessório que mais vendo”.

mesmo trabalhando em outros lugares, sempre foi uma coisa que eu planejava tirar do papel, então decidi sair do meu emprego e começar a empreender.

- MAISA ADRIELLI

Uma das principais dificuldades de Maísa, é a falta de incentivos que possam contribuir para que as pessoas possam conhecer o seu trabalho. Ela diz que muitas das vendas que faz hoje, acontecem por causa das pessoas que conhece nos espaços aonde vai, ou por amigos que compraram e indicaram seus produtos.

 

O consumo sustentável, está todo relacionado com o seu trabalho. Maisa conta que por trabalhar com produtos da natureza como pedras e sementes, isso sempre fez parte de sua marca, além de comprar as peças para o tie dye em brechós, diminuindo assim o impacto que a produção de roupas causa para o meio ambiente. “Num país extremamente consumista, precisamos pensar alternativas para contribuir para um mundo menos poluído, é isso o que busco mostrar com os meus produtos”.

principais matérias primas utilizadas

43%

Tecidos

21%

Madeira

11%

Fios

8%

Tintas

7%

Pedras

conservação do meio ambiente

3 em cada 5 artesãos

devolvem alguma ação de manejo para a convervação do meio ambiente

60% pratica | 37% não pratica | 3% não sabe responder

Fontes: DataSebraeFacop

Para a pesquisadora e doutoranda em design Silvia Sasaoka, o artesanato sofreu grandes mudanças ao longo dos últimos anos assim como seus processos de criação. “A moda do ‘faça você mesmo’, tornou o artesanato mais industrializado, copiado. É muito comum irmos a alguma feira de artesanato e encontrar várias barracas com produtos iguais”.

Com a cultura do consumo crescendo, um dos principais desafios para os artesãos é o aprimoramento do trabalho, e para Sasaoka, recuperar o controle sobre os processos, valorizando o trabalho manual, é uma alternativa para sair desse artesanato “industrializado”.

meios de comunicação mais utilizados

64%

40%

28%

Internet

TV

Revista

25%

Jornal

8%

Rádio

Fontes: DataSebraeFacop

Para a artista plástica e professora de artesanato Natália Nascimento Nogueira, o artesanato no interior tem buscado mais autonomia e Bauru tem mostrado ótimos trabalhos. “Acredito que por conta da internet, o artesão passou a conhecer diferentes técnicas e possibilidades, isso ampliou a sua forma de trabalho, porém ainda com muita cópia, reprodução e menos identidade”.

Natália aprendeu a bordar aos 11 anos e com 15 começou a trabalhar com biscuit, vendendo na escola. Desde 2009, trabalha no Sesc dando cursos de crochê, bordado e artesanato para crianças, em 2019 criou o Coletivo Fabro, focado em dar cursos nas unidades do Sesc SP. “O coletivo foi criado porque sempre preciso de mais gente para me ajudar com os cursos do Sesc, e é composto por meu marido que é arquiteto, um amigo jornalista e uma tia e minha mãe que são artesãs”.

A artista plástica conta que vê muitas pessoas que fazem um artesanato com mais identidade, se destacando, mas também que é preciso ter muita persistência e foco, além de muita pesquisa e estudo para desenvolver um produto exclusivo. Além disso, também diz que existe mercado para ambos, para o mais exclusivo mas também para o mais decorativo. “Pano de prato com crochê, por exemplo, também tem seu valor, são feitos muitas vezes por artesãs que complementam suas rendas mensais com encomendas de algo mais decorativo, doméstico, mas indispensável para muitos clientes”.

Para Sasaoka, a união entre o design e o artesanato pode criar um intercâmbio de infinitas possibilidades, além de uma grande troca de conhecimentos entre as áreas. Ela conta que uma vez levou dois estudantes de design para visitar a cidade de Pratânia, famosa por sua tradição em trabalhos com couro para conhecer um pouco mais sobre o trabalho dos artesãos. “Encontramos um artesão que fazia celas de cavalo e um desses estudantes ficou interessado em fazer uma troca cultural, ele com o conhecimento de design e o artesão com o conhecimento do processo artesanal. A partir disso, eles desenvolveram diversas peças como puff e fruteiras, tudo em couro".

A união entre o design e o artesanato pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento econômico e social das comunidades e de produtores locais. Para a designer e jornalista Adélia Borges, os conhecimentos são complementares, já que os artesãos possuem conhecimento das matérias-primas e técnicas,  e os designers conhecem a demanda do mercado e por conta de sua formação, conseguem pensar na otimização de processos.

formas de divulgação do trabalho

58%

Venda pessoal

24%

Internet

18%

Outros

?

Fontes: DataSebraeFacop

“Experiências bem sucedidas redundam em maior venda dos produtos e também numa apropriação de sua própria cultura pelos artesãos, que muitas vezes não têm noção de como é rica a sua visão e o seu pedaço de mundo”.

Apesar de o artesanato ser fonte de renda para muitas pessoas e movimentar bilhões por ano no país,  as políticas públicas de apoio aos artesãos e fomento ao artesanato são bem poucas, por conta disso, uma das ferramentas dos artesãos é utilizar as redes sociais para divulgação de seus trabalhos.

“Alguns estados têm excelentes mecanismos de apoio. Entre eles, destaco Pernambuco, que promove a Fenearte, feira de artesanato mais importante do país, Alagoas e Ceará. Eles valorizam seus mestres, têm mecanismos de incentivo e divulgação e ainda promovem pontos de venda para o escoamento da produção. Mas o governo federal é praticamente indiferente ao potencial do artesanato”, afirma Adélia.

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Cria Bauru | Reportagem multimídia produzida como Trabalho de Conclusão de Curso | Jornalismo pela UNESP | 2020

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